Após um ano de vigência do novo Código de Processo Civil, o jurista gaúcho afirma que o maior desafio é simplesmente cumprir a lei
Professor da Unisinos, doutor pela UFSC, escritor, constitucionalista e um dos juristas que ajudaram a elaborar o novo Código de Processo Civil (CPC), Lenio Streck abriu em grande estilo sua participação na conferência de abertura do Simpósio Brasileiro de Processo Civil, nesta quinta-feira (16), no Teatro Positivo. Falando sobre os desafios e perspectivas após o primeiro ano de vigência do novo CPC, ele conseguiu fazer a plateia refletir – e também arrancou algumas boas risadas – com uma bela explanação, cujo ponto alto foi a comparação entre o processo civil “raiz” e o “Nutella”.
“Quando falamos em vigência, é evidente que não estamos falando de validade. São coisas diferentes”, avisou. “Quando o STF ou um órgão jurisdicional qualquer não aplica uma lei, ele não está negando vigência. Ela independe do Judiciário. Ele está negando validade. Como sou um entusiasta do CPC, quero falar de ‘legal rights’, direito que o cidadão pode exigir. A Teoria do Direito trata disso, de como se deve decidir, e não de quem.”
Segundo Streck, apesar de todas as conquistas, o novo Código Civil não “pegou” porque juízes, tribunais e até a própria advocacia ignoram que a lei deve ser respeitada. “Portanto, o principal desafio é que o Código seja efetivamente cumprido”, considera. “Temos que resolver esse dilema: como se decide? Como controlar a subjetividade? Como fazer com que se faça a coisa mais prosaica do mundo – cumprir a lei?”
Para ele, a melhor forma é seguir o processo civil “raiz”. Streck deu algumas dicas de para defini-lo: “Na questão de texto e norma, por exemplo. Temos de terminar com a ilusão de que o texto sozinho contém a norma. Lei e direito são a mesma coisa. Se texto da lei e a norma são diferentes, é uma teoria da decisão que deve controlar o limite da atribuição de sentido da norma”, destaca.
Outra característica do processo “raiz” é a defesa intransigente de um acentuado grau de autonomia do Direito: “Ele deve ter e reforçar barreiras contra seus predadores externos e internos. Temos que construir um bunker sistêmico para protegê-lo”, ressalta. Entre os predadores externos, Streck cita a moral, a política e a economia. E entre os internos, os decisionismos, o livre convencimento, a fragilização da coisa julgada, ignorar os limites semânticos do texto constitucional, ignorar um texto válido sem considerá-lo inconstitucional etc. “No civil raiz não há decisionismo, livre convencimento, ativismo. Aposta-se no dever de coerência e integridade em vez de venerar e erguer estátuas ao deus precedentes e cortes de precedentes. Cortes superiores não decidem por ato de vontade. As partes possuem um papel decisivo, porque seus argumentos são levados a sério. Não existem, no processo raiz, grupos de extermínio de recursos”, resumiu.