Para encerrar o ano acadêmico da Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst), foi realizada no auditório da instituição Aula Magna com o Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes. A abertura foi feita pelo presidente do Conselho Fundador da ABDConst, Flávio Pansieri, que saudou a todos os presentes e os membros que compunham a mesa: o presidente da ABDConst, Marco Marrafon, o ministro Gilmar Mendes, o Desembargador Adalberto Jorge Xisto Pereira, o Diretor Jurídico da Itaipu, Cezar Ziliotto, o membro catedrático da ABDConst e professor, Clèmerson Merlin Clève, e a presidente Associação Paranaense dos Juízes Federais, Patrícia Daher Lopes Panassolo. Pansieri introduziu a fala do Ministro, dizendo que ele tem sido um incansável e intransigente defensor da democracia e das liberdades fundamentais. “É uma voz dura e crítica àqueles que não compreendem o que é um Estado Democrático”, disse.
Gilmar Mendes agradeceu aos presentes e informou que a sua fala seria um apanhado sobre a jurisprudência ativa no STF. Desde o início, o Ministro fez questão de reforçar que as ações no tribunal geram reações nos mais diversos segmentos da sociedade. Exemplificou isso ao citar a recente decisão da Primeira Turma do STF que descriminalizou o aborto antes do terceiro mês de gestação e, na madrugada do mesmo dia, a Câmara dos Deputados criou uma Comissão Especial para endurecer a legislação e evitar brechas na lei. “As coisas estão crepitantes, por isso temos que olhar o processo com cuidado. Houve um tempo, quem sabe por uma certa inércia, que nós poderíamos regular ou fazer os nossos avanços sem preocupação”, afirmou.
Outro ponto abordado pelo Ministro foi o direito de greve dos servidores públicos, mais uma decisão polêmica do STF, que permite o corte dos salários desses funcionários. “Provavelmente tiramos um peso dos legisladores”, disse. Ele traçou um histórico dessas ações de greve no país, sustentando que o fato se repetiu seguidamente nos últimos anos em que os servidores “faziam greve para tudo”. “Quando o STF decidiu a matéria, o Congresso viu que era algo desonerador, tanto que não fez qualquer movimento para mudar”, disse.
Mendes ainda criticou o descaso que os parlamentares têm com as decisões da corte. Segundo o Ministro, as ordens do STF não fazem sequer cócegas ao Congresso. “Eles as recebem como se fossem um apelo ou conselho, pois editar ou não uma norma é de responsabilidade deles, pensam os congressistas. Acho que em algum momento faltou uma articulação ou abordagem entre os Poderes”. Essa alienação, esse não diálogo tem alimentado muita confusão, pois o Congresso é composto por forças diversas que fazem alianças cruzadas, na visão do Ministro. E, mais uma vez citou o exemplo da decisão sobre o aborto, em que o tema ficou vedado por muito tempo, sem aprovar a lei ou uma emenda constitucional, então vem o STF e tenta desatar esse nó. A reação, com isso, é forte de que “o tribunal está legislando, está interferindo”.
Gilmar Mendes ainda teceu uma autocrítica e mostrou exemplos de como decisões equivocadas no STF podem impactar diretamente a sociedade, citou especialmente os casos de cobrança de precatórios, a Reforma Política e a vaquejada. “Estou convencido que em certos casos o Judiciário deve agir, mas deve ter consciência de que não está em campo neutro, que geram reações, pois o ambiente social político é dinâmico”, falou.
Mendes também criticou duramente o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que foi criado para fazer o diálogo com o Judiciário e ao longo dos anos viu a sua função ser desvirtuada. Ele justifica esse descumprimento de objetivos pelo fato dos conselheiros não serem indicados por suas qualidades e competências técnicas, mas por amizade e interesses. A disfuncionalidade do sistema faz com que o modelo seja comprometido e que surjam instituições substitutivas.
Para encerrar, Mendes admitiu que há um material farto para fazer uma autocrítica dos afazeres do STF. “A gente tem que rezar para que Deus nos ajude para fazermos Justiça, para que ele nos preserve o senso do ridículo. Às vezes perdemos o senso do ridículo”, finalizou.
O presidente da ABDConst, Marco Marrafon, encerrou oficialmente o evento, que foi transmitido ao vivo pela internet, e convidou a todos para uma reflexão. “É importante esse debate com uma plateia composta por pessoas que sonham para fugir de uma democracia de manchetes e de slogans. É um debate muito raso, de 140 caracteres, em que fomentam uma retórica vazia em rede social, que representa um perigo a democracia. Uma reflexão séria e profunda, livre em torno de temas polêmicos, ao invés da rapidez do mundo contemporâneo. Parece que estamos perdendo a capacidade de pensar e isso pode acabar com a democracia”, disse.
Ao final foi lançada a obra “Conselho Nacional de Justiça – fundamentos, processo e gestão”, que tem ente os coordenadores o próprio Marco Marrafon, o Ministro Gilmar Mendes, e o jurista, Fabiano Augusto Martins Silveira. O secretário geral da Academia, Ilton Norberto Robl Filho, é um dos escritores da obra.