Decisão do STF aponta para o reconhecimento da multiparentalidade, novo tema do Direito de Família

23 de novembro de 2016


O coordenador da Pós em Direito das Famílias e Sucessões e professor Ricardo Calderón, na qualidade de diretor nacional do IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família, atuou como amicus curiae (amigo da corte) durante julgamento de ação no STF (Supremo Tribunal Federal) relacionada à parentalidade socioafetiva. Os ministros entenderam que a existência de filiação socioafetiva não exime de responsabilidade o pai ou mãe biológicos. Assim, por maioria de votos, negaram provimento a recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida, no qual um pai biológico recorria contra acórdão que estabeleceu sua paternidade, com efeitos patrimoniais, independentemente do vínculo com o pai socioafetivo. A seguir, aprovaram a seguinte tese, vinculada à Repercussão Geral 622: “A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios”. 

 

 

Em seu pronunciamento no plenário do STF, Calderón, que coordena o curso de pós-graduação em Direito das Famílias e Sucessões da ABDConst – Academia Brasileira de Direito Constitucional, sustentou que a distinção entre filhos legítimos e ilegítimos deixou de existir com a Constituição de 1988. Defendeu também que as filiações socioafetiva e biológica devem ser reconhecidas como jurídicas em condições de igualdade material, sem hierarquia em abstrato. Ressaltou , ainda, que o reconhecimento jurídico da parentalidade socioafetiva, consolidada na convivência familiar duradoura, não pode ser impugnada com fundamento exclusivo na origem biológica.

 

De acordo com Calderón, a tese aprovada do STF contribui para a tradução contemporânea das categorias da filiação e parentesco, optando por não afirmar nenhuma prevalência apriorística entre as referidas modalidades de vínculo parental e apontando para a possibilidade de coexistência de ambas as filiações. A decisão servirá de parâmetro para casos semelhantes. “Ao prever expressamente a possibilidade jurídica da pluralidade de vínculos familiares a Corte Suprema consagra um importante avanço: o reconhecimento da multiparentalidade, um dos novíssimos temas do direito de família”, assinala.

 

Com relação à participação do IBDFAM como o amicus curiae no STF, Calderón coloca que o Instituto vem atuando ativamente nas causas relevantes que tramitam no Supremo envolvendo o direito de família e sucessões, contribuindo para um melhor tratamento jurídico da realidade das famílias brasileiras. “Vale destacar que o STF tem ouvido os argumentos apresentados pelo IBDFAM, que nesse caso inclusive reverberaram na decisão final proferida, o que torna patente a relevância da atuação nas deliberações paradigmáticas que foram tomadas. Isso permite constatar o atual protagonismo da entidade nos relevantes debates jurídicos sobre os temas familiares e sucessórios”, assinala.

 

No caso da paternidade afetiva e biológica, Calderón esclarece que “Inicialmente, o tema da filiação foi recebido no STF como uma repercussão geral que trataria de uma possível ‘prevalência da paternidade socioafetiva sobre a biológica’. Essa possibilidade de prevalência em abstrato de uma modalidade de filiação sobre a outra não parecia indicada, sendo que esse era um dos riscos do resultado desse processo, visto que aprovação apriorística e em abstrato de alguma prevalência poderia causar até mesmo um retrocesso no direito de família brasileiro. Por exemplo, caso o STF opinasse pela prevalência do vínculo biológico sobre o afetivo, colocaríamos em risco a importante categoria da socioafetividade, que foi edificada no Brasil durante as últimas três décadas.”

 

Diante disso, com esse risco em vista, iniciou o IBDFAM sua atuação com o intuito de demonstrar a inconveniência de se adotar alguma prevalência em abstrato, que se impusesse em todos os casos. Isso certamente não faria justiça em todos os casos concretos, que possui muitas variações na diversa realidade brasileira. Segundo Calderón, a decisão do STF permite um claro avanço, ao conferir maior dignidade ao vínculo socioafetivo, indicando que esse não deve desaparecer – necessariamente – nos casos que os filhos investiguem seu ascendente genético e queiram ver essa filiação biológica reconhecida.

 

O professor destaca três aspectos em relação ao entendimento do STF. O primeiro deles, a consagração da leitura jurídica da afetividade, que perfilou de forma expressa na manifestação de diversos ministros. “Houve ampla aceitação do reconhecimento jurídico da afetividade pelo colegiado, o que resta patente pela paternidade socioafetiva referendada na tese final aprovada”. O segundo aspecto é o reconhecimento jurídico de ambas as paternidades, socioafetiva e biológica, em condições de igualdade hierárquica, sem a prevalência em abstrato de uma sobre a outra. E o terceiro ponto, certamente foi o acolhimento expresso da possibilidade jurídica de multiparentalidade. Este é um dos novos temas do direito de família, que vem sendo objeto de debate em diversos países. Com esse julgado, a tese aprovada pelo STF acolhe a possibilidade jurídica da multiparentalidade, outra bandeira do IBDFAM.

 

O professor da ABDCONST não acredita que a decisão do STF aponte no sentido de uma patrimonialização das relações familiares. “O entendimento do Supremo sinaliza, sim, para uma responsabilização do ascendente genético. Houve contundente afirmação de vários ministros a ressaltar o princípio constitucional da paternidade responsável, de modo que prevaleceu o entendimento de que o ‘pai biológico’ deve vir a assumir a sua responsabilidade pela sua prole. A partir disso, conferiram todos os efeitos jurídicos dela decorrente. “A tese aprovada respeita o vínculo socioafetivo, mas também responsabiliza o ascendente genético, admitindo a concomitância das paternidades, de modo que a decisão pode vir a ser uma relevante orientação na tradução atual do que se entende por parentalidade responsável”, observa Calderón.

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