***Francisco Monteiro Rocha Jr
Ao contrário do que propaga o senso-comum sobre o tema, a corrupção não é fenômeno tipicamente brasileiro e tampouco algo recente por aqui. São inúmeros os fatos que rapidamente poderiam desmontar ambas as teses: de um lado, vários códigos penais ocidentais, que desde o séc. XIX criminalizam o suborno e continuam a penalizar a corrupção. De outro, indícios de que, pelo menos desde o séc. XVII, como se vê, por exemplo, nos estudos do brasilianista Stuart Schwartz sobre o Tribunal Superior da Bahia daquela época, funcionário público que fosse isento, não tivesse negócios privados, e vivesse somente com o ordenado, “era a exceção que confirmava a regra”.
Ou seja, a Lei 12.846/2013, que rapidamente ganhou a alcunha de “lei anticorrupção”, não vem combater uma novidade. Mas, indubitavelmente, a forma como ela pretende combatê-la o seja. De forma inusual, ao invés de colocar os funcionários públicos na parede, criminalizando-os em ações penais e/ou processando-os por improbidade administrativa em ações civis públicas, o foco volta-se agora, para o outro lado da moeda, qual seja, a classe empresarial.
Trata-se daquilo que Adan Nieto Martin, do Instituto de Direito Penal europeu e internacional, define como sendo a “privatização da luta contra a corrupção”, ou seja, uma tendência internacional de angariar, ainda que de forma forçada, as empresas nessa luta contra a corrupção, obrigando-as a adotar medidas internas de prevenção à corrupção e que ajudem o Estado a investigar e esclarecer os casos em que ela tenha supostamente ou concretamente ocorrido.
Tendência internacional pois, ao contrário do tom de “novidadeiro” trazido pela nova lei, e antes de se tratar de fenômeno isolado em nosso país, é caudatária de outros sistemas que já adotaram a mesma sistemática. Trata-se, dentre outros, do caso dos EUA e o seu FCPA (Foreign Corrupt Practises Act) de 1977, e a Grã-Bretanha, com o UK Bribery Act de 2010. Outros tantos países, como é o caso da Espanha, não tem leis específicas, mas utilizam até mesmo a responsabilidade penal de pessoas jurídicas para atacar atos ligados ao suborno de funcionários públicos.
Mas quais são as novidades concretas trazidas pela lei? Basicamente inaugura-se em nosso país uma co-responsabilização das empresas pela corrupção, baseada em dois pilares. Em primeiro lugar, um sistema no qual, exige-se que as pessoas jurídicas implementem um programa de compliance, ou seja, uma série de “mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta”, como estabelece o próprio inc. VIII do art. 7º da Lei. Mas o que ocorrerá com as empresas que não adotarem tais tipos de mecanismos e procedimentos a partir de fevereiro?
Caso a empresa não adote as diretrizes do art. 7º, adentra-se no segundo pilar da lei: no caso de processamento por atos que atentem contra a administração pública, nacional ou estrangeira, será objetivamente responsabilizada. Em outros termos: qualquer ato de corrupção que envolva quaisquer de seus colaboradores, gestores, etc, independentemente da ciência dos escalões superiores, serão atribuídos à empresa. Responsabilização essa, que independerá de dolo – consciência e vontade ou de culpa – lesão ao dever de cuidado, por parte da empresa.
Mas, finalmente, quais são as penas para as empresas que não tenham programas de compliance e cujos funcionários forem flagrados? Desde multas de até 20% (vinte por cento) do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo, passando pela suspensão ou interdição parcial de suas atividades e até mesmo a dissolução compulsória da pessoa jurídica.
No curto prazo, vislumbra-se que códigos de ética, manuais de procedimento dos representantes comerciais, manuais de relacionamento com gestores públicos, canais de denúncia, mapeamentos de riscos penais e administrativos, e tantos outros elementos dos programas de compliance, passam a ser a ser vocábulos que ingressam no dicionário dos empresários brasileiros.
De tal sorte, quer nos parecer que de desejáveis (para combater as fraudes internas), passando por necessários (em face da cada vez mais intensa criminalização de atividades empresariais como se verifica dos crimes financeiros, crimes tributários, crimes previdenciários, crimes de importação e exportação, crimes contra o consumo, crimes ambientais, dentre tanto outros), efetivos programas de compliance passam a ser obrigatórios diante das regras estabelecidas pela nova lei.
***Francisco Monteiro Rocha Jr é Mestre e Doutor em Direito pela UFPR, Presidente do Instituto Brasileiro de Direito Penal Econômico, Professor de Direito Penal da Universidade Positivo e advogado criminalista.