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A empresa individual de responsabilidade limitada e um de seus problemas

17 de abril de 2012


Alfredo de Assis Gonçalves Neto
Professor e advogado em Curitiba

A Empresa Individual de Responsabilidade Limitada veio atender os anseios do em-presário que quer exercer sua atividade sem parceiros, sem os riscos que normalmente decorrem do empreendimento. Para evitar esses riscos, à falta de instituto semelhante, a pessoa que queria desenvolver uma atividade econômica com seus esforços pessoais, acabava tendo de buscar sócios para que sua responsabilidade pelos negócios de sua empresa ficasse restrita ao patrimônio afetado à atividade assim desenvolvida. Criaram-se sociedades fictícias, com sócios de palha, nada interessados no negócio, a qual, quando se expandia, muitas vezes aguçava problemas de relacionamento, com transtor-nos financeiros para o verdadeiro empreendedor.

A Lei n. 12.441/2011, que entrou em vigor em janeiro do corrente ano, veio permitir que, daqui em diante, o empresário possa exerça sua atividade individualmente, sem necessidade de buscar sócios quando pretender limitar sua responsabilidade pessoal no trato dos negócios de sua empresa. Para tanto, basta que siga as orientações constantes das Instruções Normativas ns. 117 e 118 do Departamento Nacional do Comércio DNRC.

Essa indicação aparentemente simples encobre questões bastante polêmicas atinentes não só à constituição da denominada EIRELI (acento tônico na última sílaba), como ao seu funcionamento. Sendo muitas as perplexidades com que me deparei no estudo desse novel instituto (publicado na Revista dos Tribunais 915/153-1180), coloco em destaque, aqui, apenas uma das questões que mais têm sido discutidas.

Trata-se da questão de saber se a EIRELI pode ser criada por pessoa jurídica. A dú-vida surgiu porque, no texto do artigo 980-A do Código Civil, é utilizado o termo “pessoa” (no projeto estava “pessoa natural”, que dali desapareceu sem qualquer emenda ou explicação); seu parágrafo 2º menciona “pessoa natural” para vedar que constitua mais de uma delas.

O tema foi levantado na IV Jornada de Direito Civil, realizada no STJ, sob os auspí-cios do Centro de Estudos Judiciários da Justiça Federal, daí resultando o Enunciado n. 467, aprovado por maioria de mais de 2/3 dos participantes, deste teor: “A empresa individual de responsabilidade limitada só poderá ser constituída por pessoa natural”.

À luz desse Enunciado e mencionando-o expressamente, o DNRC, que, num primeiro momento, havia admitido a constituição da EIRELI por pessoa jurídica, em boa hora republicou a IN 117 para suprimir essa alternativa. Apesar disso, a discussão continua. O Valor Econômico de 12 de março findo publicou notícia de uma liminar garantindo a uma pessoa jurídica a criação dessa figura, ao argumento de não ter sido feita distinção nem ter havido proibição no mencionado dispositivo do Código Civil.

Sou de opinião de ser mais acertada a primeira orientação. É preciso ter em conta, em primeiro lugar, que a EIRELI foi concebida com o fim precípuo de organizar juridicamente a atividade econômica do empreendedor individual e assim evitar que os riscos do seu negócio avancem para além do patrimônio a ele afetado, projetando-se para apanhar o quanto destina à sua sobrevivência e a de sua família. Essa foi a razão do surgimento da lei e é a interpretação autêntica, que resulta dos trabalhos legislativos.

A criação da EIRELI por uma sociedade empresária (pois não se cogita de outra pes-soa jurídica) não atenderia esse escopo, visto que o patrimônio societário é todo destinado à realização de sua atividade-fim. Soa absurdo imaginar que uma pessoa jurídica possa utilizar-se de um mecanismo surgido para limitar a responsabilidade de quem tem lado humano a preservar, se ela não o tem. O quadro agrava-se quando se observa que, podendo a EIRELI ser gerada por pessoa jurídica, esta não estaria sujeita à restrição de criar uma só, eis que a vedação limita-se a mencionar a pessoa natural, o que desrespeitaria, sem qualquer cerimônia, o princípio da isonomia.

Vingando entendimento diverso do aqui defendido, pode-se vaticinar um desastre que conduzirá à desestruturação de boa parte do regime jurídico empresarial. Para não alongar, dá para perceber que, na prática, (i) será possível a formação de cadeias de EIRELI(s), a primeira constituindo outras, (ii) as sociedades brasileiras terão a faculdade de se eximir de sua responsabilidade pelos atos de suas filiais, substituindo-as por EIRELI(s), e (iii) as sociedades estrangeiras, com absoluta certeza, deixarão de se submeter às exigências estabelecidas para que funcionem no Brasil, tornando letra morta o conjunto das disposições contidas nos artigos 1.134-1.141 do Código Civil, e eliminarão a alternativa incômoda, de que hoje se utilizam, de ter parceiros brasileiros.

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