Comentários sobre a possibilidade de cortes no SUS – Sistema Único de Saúde (anunciados nas últimas semanas pelo governo federal) e o seu papel fundamental para a democracia deram o tom à abertura da 22ª Conferência Mundial de Promoção e Educação na Saúde, na noite de domingo (22), no Teatro Positivo, em Curitiba. O evento, organizado pela União Internacional para a Promoção da Saúde e Educação para a Saúde – UIPES (em parceria com a Prefeitura Municipal de Curitiba e a Associação Brasileira de Saúde Coletiva–Abrasco), reúne mais de 2 mil pessoas envolvidas com promoção de saúde e equidade de 70 países, e prossegue até quinta-feira (26).
A mesa de abertura da solenidade foi composta por Michael Sparks, presidente da IUPES, Gustavo Fruet, prefeito de Curitiba, Joaquín Molina, representante da OPAS/OMS – Organização Panamericana de Saúde e Organização Mundial da Saúde no Brasil, Paulo Sávio Angeiras de Goes, vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva – Abrasco, Roland Ferreira dos Santos, presidente do Conselho Nacional de Saúde do Brasil, e Cesar Monte Serrat Titton, secretário Municipal de Saúde de Curitiba.
Democracia e saúde
Após a apresentação do Coral Brasileirinho, sob a direção artística de Helena Bel e Milton Karan, a organizadora local da Conferência, Simone Teti Moyses, saudou os presentes e destacou que mais do que nunca territórios e regiões do mundo precisam de solidariedade e de coragem para compreender e apoiar o convívio das diferenças étnicas, etárias, de capacidade, de gênero e de orientação sexual. “Precisamos garantir a democracia e a ética, os direitos conquistados legitimamente pelas sociedades que sustentem a valorização e a defesa da vida com saúde e equidade, princípios e valores que serão discutidos durante o encontro mundial em Curitiba”, assinalou.
“Essa Conferência deve ser palco de debate democrático da saúde como inclusão social, direito e cidadania”, disse Ronald Ferreira dos Santos em seu pronunciamento, conclamando todos os presentes a reafirmar a diversidade brasileira e a erguer bem alto a bandeira da democracia e da saúde pública. O presidente do Conselho Nacional de Saúde do Brasil argumentou que o SUS tem sido porta de entrada de direitos sociais exatamente porque compreende saúde na dimensão da promoção e da qualidade. “Ele reconhece que integra políticas sociais que visam à superação das desigualdades, das iniquidades e o reconhecimento da diversidade e pluralidade do país”, disse. “Esperamos que, com esta Conferência, digamos ao mundo que não há democracia sem SUS e nem SUS sem democracia”.
Troca de experiências
O vice-presidente da Abrasco destacou a importância da troca de conhecimentos e experiência de promoção de saúde, que serão constantes durante a Conferência. “O aperfeiçoamento do conceito de promoção de saúde e os enormes desafios postos pela contemporaneidade devem guiar e centralizar os debates e os esforços para melhoria da vida dos diversos povos da terra, de modo a preservar o meio ambiente e garantir uma vida digna para todos”, observou. Paulo Goes alertou, ainda, que a ameaça de morte do SUS é uma usurpação do direito constitucional de acesso à saúde. “Uma mudança no direito universal da saúde no país é inadmissível, injusto e antidemocrático”, destacou. Ele aproveitou o momento e homenageou os profissionais de saúde e os jovens brasileiros que resistem até hoje bravamente na busca pela garantia dos seus direitos, entre os quais a saúde. “A melhor forma de defesa do SUS é intensificarmos o esforço para garantir a reforma sanitária. Não há saúde sem justiça social nem democracia”, declarou.
Molina, representante da Organização Panamericana de Saúde – OPA, argumentou que em todos os países e territórios das Américas os mais ricos têm maior expectativa de vida e usufruem de melhor saúde que os menos favorecidos. “Isso é injusto, e alguns grupos ainda enfrentam diferentes formas de desigualdade, que podem sobrepor-se à posição e a condição econômica, como as relacionadas ao sexo e à etnia”, falou. Segundo ele, pertencer a certos grupos pode significar piores condições de vida, de acesso a serviços, de participação e ascensão social, caracterizando-se como inequidades evitáveis e, portanto, injustas. “Tais desigualdades afetam o direito à saúde e interferem no desenvolvimento sustentável da Região, com impacto negativo nas dimensões social, ambiental e econômica”, sustentou Molina. Destacou que a OPAS compartilha com o SUS valores de equidade e acesso de todos à saúde. “Nós vemos um só caminho para ao SUS: fazer mais saúde, fazê-lo mais universal, fazer o SUS cada vez mais SUS”, concluiu.
Investimentos
Ao falar aos participantes, o prefeito Gustavo Fruet afirmou que o evento é uma oportunidade para reafirmar o compromisso de Curitiba com a promoção da saúde por meio de ações incluídas em todas as políticas públicas. Fruet lembrou que as iniciativas destinadas a melhorar os indicadores de saúde permeiam todas as áreas da gestão municipal. Ao longo dos últimos três anos, Curitiba implantou uma série de projetos em áreas como abastecimento, esportes, mobilidade, acessibilidade, meio ambiente e ação social, que contribuem para a promoção da saúde. Disse que a Prefeitura investe em as áreas sem descuidar da saúde, que recebeu mais de R$ 5 milhões em investimentos em novas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) e reformas de unidades de saúde. “A conferência é um meio de consolidar nossa gestão participativa e de aproximação intersetorial com outras políticas públicas e de estabelecer o legado dessas políticas municipais para a promoção da saúde pública” completou. “O SUS não vai retroceder, nós precisamos e vamos avançar com o SUS”, disse, encerrando seu pronunciamento.
Equidade
Ao abrir oficialmente a Conferência, o presidente da UIPES, Michael Sparks, disse ainda que há uma grande diferença de perspectiva de vida e acesso à saúde entre os que têm e os que não têm posses econômicas, e se solidarizou com as demais autoridades que defendem o fortalecimento do Serviço Único de Saúde (SUS). Sparks ressaltou que a lacuna entre ricos e pobres tem aumentado. “É nossa responsabilidade lutar por equidade e sustentabilidade na saúde; esta Conferência nos permite compartilhar experiências, aprender e revigorar o debate sobre a importância da democracia”, citou.
Em seguida, os coordenadores do Comitê Científico da Conferência da UIPES, Marco Akerman e Louise Potvin, declararam que o produto do trabalho dos participantes irá alimentar e inspirar um conjunto de propostas e posicionamento coletivo frente aos desafios em promoção de saúde, da equidade e do desenvolvimento sustentável. “Diferenças sim, desigualdades não. Pluralidade na invenção da vida”, destacaram.
Austeridade
A palestra inaugural da Conferência, intitulada Promoção da saúde e da equidade, foi proferida pelo professor inglês David Stuckler, da Universidade de Oxford, pesquisador da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres e nomeado como um dos 100 melhores pensadores globais. Stuckler afirmou que, mesmo no pior desastre econômico, os efeitos negativos sobre a saúde pública não são inevitáveis, e dependem fortemente da gestão política. Mostrou os resultados de uma década de pesquisa sobre o custo humano das políticas de cortes e afirmou que a severidade não é uma solução para a crise econômica, mas eventualmente torna-se um fator agravante e, além de ter efeito nocivo para a saúde da população. Para ele, apenas um sistema justo e equitativo e acompanhado de políticas inteligentes fortalece as redes de segurança pública e assegura o bem-estar das populações.
Os desafios de implementar políticas públicas de saúde, os conflitos entre interesses públicos e privados na área, a nova visão sobre as doenças crônicas e epidemias e o desenvolvimento de um plano de ação de políticas de promoção da saúde nas Américas serão discutidos até quinta-feira (26) durante a 22ª Conferência da UIPES.