Redes Sociais e o Jornalismo, por Paulo Sérgio Pires

17 de outubro de 2009


Paulo Sérgio Pires (*)

A comunicação e o marketing são notórios em prestigiar modismos e certas tendências. Houve uma fase em que testemunhei a comunicação dirigida na berlinda, a seguir veio o CRM – customer relationship management, depois ficaram em evidência o marketing cultural, os programas de responsabilidade ambiental e social, o branding/construção de marca, o jornalismo customizado e agora a bola da vez são as redes sociais. Agências de propaganda, de relações públicas e empresas modernosas não poderiam ficar de fora e já contratam rapidamente seus analistas de redes sociais ou de mídias sociais para ficarem sincronizados ou sintonizados com o mundo midiático digital. Muito adequado e simpático, mas resta a dúvida se a mais nova musa do verão vai continuar pegando a onda da novidade até o ano que vem ou finalmente se perpetuar como instrumento de comunicação. Independentemente de qualquer coisa, o entusiasmo hoje é tanto, que alguns jornalistas decretaram a mídia social como uma forma de jornalismo 2.0.

Embora alguns profissionais de imprensa queiram criar suas próprias técnicas e teorias, o jornalismo profissional já foi codificado há algumas centenas de anos, desde Gutenberg, passando pelo precursor Tobias Peucer, Rudyard Kipling, Walter Lippmann, Fraser Bond, John Hohemberg, Philip Meyer, chegando hoje à contribuição de Mark Briggs, Bill Kovach e Tom Rosenstiel e da Antropologia do emissor, com as teorias do gatekeeping, newsmaking e outras mais. Agora, se as teorias do jornalismo corrente estão erradas precisam ser modificadas formalmente e não ficar a mercê de conjecturas e suposições sem diagnóstico e a certificação científica ou acadêmica.

A meu ver, as redes sociais não poderiam ser caracterizadas como jornalismo profissional porque não apresentam algumas características essenciais. Quem sabe até possam ser um gênero do chamado “jornalismo cidadão”, pelo qual tudo por enquanto é possível e ainda não foi solidificado teoricamente, mas acredito que as redes sejam mais uma ferramenta de relações públicas, uma vez que os programas de relações com comunidades têm sido realizados ao longo da história recente e a novidade seria, portanto apenas um avanço tecnológico, cibernético. O nome mídia social possivelmente esteja impreciso, pois toda mídia é social, já que esse termo se refere à sociedade ou ao conjunto dos cidadãos a ela pertencentes ou à posição dos indivíduos e seus grupos na sociedade como um todo. Pergunto então: Há mídia sem sociedade ou cidadãos?

E tem mais: O jornalismo profissional tem como ponto de partida a separação dos gêneros informativo, opinativo, interpretativo e diversional, e a tipologia de matérias. Para ser mais exato, a imprensa (jornais e revistas) é a que mais oferece opção de tipos de matérias e não os meios de radioteledifusão (TV e rádio) ou digitais (sites, portais, CD-ROMs, DVDs e blogs). Segundo o jornalista Lailton da Costa, podemos encontrar nas páginas de jornais impressos o gênero interpretativo (com os formatos: análises, dossiês, obituário, perfil), o utilitário (com os formatos indicador, cotação, roteiro e serviço) e diversional (composto por história de interesse e história colorida).

Com propósitos informativos há entrevistas ping-pong, chamadas, infográficos, erratas, efemérides, notas ou registros, textos-legenda, legendas de fotos e finalmente as essenciais notícias e reportagens. No âmbito opinativo podem ser encontrados artigos-assinados, cartas ou correios eletrônicos, colunas, ensaios, comentários, crônicas, editoriais, cartuns, charges, caricaturas, resenhas, notas de redação e sueltos.

Nas redes sociais há textos que poderiam ser caracterizados como notas se usassem o estilo do texto jornalístico que prevê uma série de características entre as quais a objetividade, a clareza e a concisão, a imparcialidade, a veracidade, sem, no entanto, abusar de abreviações e sinais de pontuação para outras finalidades simbólicas como ocorre neste espaço cibernético. Segundo as normas e critérios de alguns dos manuais de redação de jornais impressos, as abreviações devem ser sempre evitadas e a gramática normativa, tanto quanto possível, precisa ser seguida fato que nem sempre acontece nas mensagens por exemplo do microblogging Twitter.

Os tweetts, aqueles textos diminutos com até 140 caracteres, poderiam ser interpretados como sendo novos dropes, um tipo de matéria que é pouco maior que um título e menor que uma nota, mas na maioria das vezes nesses casos não contêm os elementos noticiosos, os valores notícias estabelecidos por Galtung e Ruge como, por exemplo, amplitude, freqüência, negatividade, caráter inesperado, personalização, significado, referências a locais e as pessoas, consonância, continuidade e composição. Da mesma forma que um bilhete não é jornalismo, um tweet também não o é. Além disso, se formos seguir a legislação que regulava esta profissão que se tornou ofício, o jornalismo prevê remuneração pelo trabalho o que não ocorre para a maioria de usuários das redes sociais.

O Twitter concretamente é uma comunidade social cibernética para promover as relações entre as pessoas, que pode ser integrada por amigos, familiares, vizinhos, colegas de trabalho e organizações. Pode ser usada por profissionais e funcionários de instituições públicas ou privadas, por organizações não-governamentais, organizações sociais, visando oferecer informação e orientação, frisando que nem toda informação difundida no universo é necessariamente jornalística. Não há, portanto, em seu conteúdo compromisso com a ética jornalística, a técnica jornalística, a precisão e apuração jornalística e a narrativa jornalística. Por outro lado, o fato de não ser um meio jornalístico clássico também não o desmerece. Ao contrário disso, ele tem um papel singular e relevante nas transmissões de informações interpessoais e entre comunidades.

É surpreendente, no entanto, que alguns jornalistas estejam preocupados com o Twitter. O treinador de futebol Mano Menezes, como outras milhares de celebridades, mantém sua página naquele espaço e por vezes prefere adiantar algumas informações por intermédio desse recurso. A autora é sua filha. Alguns coleguinhas do esporte ficam apreensivos porque poderiam perder a possibilidade de dar grandes furos jornalísticos se o técnico a partir de agora preferir adiantar informações por este novo meio. A preocupação, de fato, tem ido além e alguns veículos de grande imprensa proibiram seus funcionários de publicar informações pelo Twitter, pois consideram que a informação pode ser de interesse da empresa. Usá-lo como fonte secundária ou mesmo pauta não parece oportuno porque para logar diretamente sua página é muito fácil e rápido. Talvez seja cabível em determinadas situações para contextualizações de matérias ou para remeter ao seu próprio endereço, ou para noticiar para públicos “analfabetos digitais”, mas os jornalistas precisam tomar cuidado para não criar uma dependência orgânica à novidade e trabalhar apenas com informações de segunda mão.

Já as redes Orkut e Facebook operam mais com mensagens interpessoais, avisos, dicas, colóquios corriqueiros, recados e pequenos comentários que não são tipificados seguramente como gêneros jornalísticos. O blog que em princípio era um diário on-line avançou e virou espaço para artigos, comentários e colunas regulares. O diário clássico de relato pessoal até já se tornou gênero da literatura chamado confessional e apresenta inúmeros títulos célebres como, por exemplo, o do clássico relato da jovem Anne Frank morta em campo de concentração nazista na 2ª Guerra Mundial. Junto a este gênero estão os prefácios, anotações ou memórias, mas diário não é certamente jornalismo.

Na prática, os blogs podem ter caráter jornalístico dependendo de como são editados e alguns deles hoje são verdadeiros veículos de um autor só. O Blog do Noblat, por exemplo, é um meio jornalístico de alta qualidade e muitas vezes pauta a própria “grande imprensa”. Há também outros com formato jornalístico como os dos jornalistas Cláudio Humberto, Mauro Ventura e Rosana Hermann. Há alguns, contudo nem sempre no feitio daquilo que foi sistematizado como jornalismo. Portanto, na definição do blog jornalístico é preciso verificar se há compromisso com a forma editorial, não apenas indícios e principalmente se apresenta periodicidade regular como qualquer veículo tradicional. A plataforma livro na atual forma códice pode ser um meio jornalístico, literário ou de referência, do mesmo jeito que um blog também pode sê-lo. Tudo dependerá da caracterização e especificidades.

(*) Jornalista, publicitário e professor de Comunicação. É pós-graduado em Gestão de Processos Comunicacionais e mestre em Políticas de Comunicação e Cultura pela ECA/USP

 

Fonte: site Comunique-se

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