O segundo dia do 1 Fórum Nacional sobre Crimes Econômico-Financeiros, promovido pela APCF e que está acontecendo em Curitiba/PR até amanhã (14), teve no seu painel de abertura importantes nomes do cenário jurídico e investigativo nacional. Com o tema “Do caso Banestado à Operação Lava Jato”, o debate reuniu o perito criminal Eurico Montenegro, a delegada da Polícia Federal e conselheira no COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), Érika Marena e a juíza federal, Gabriela Hardt.
Bilhões em lavagem de dinheiro foram descobertos no caso Banestado
A abertura do painel foi com o perito criminal Eurico Montenegro que fez uma descrição de toda parte pericial envolvendo o caso Banestado, que aconteceu na década de 1990 envolvendo lavagem de dinheiro por doleiros brasileiros. O perito explicou que o esquema aconteceu em três etapas, com o fornecimento de dólares em espécie trazidos do Paraguai – o início do caso foi em Foz do Iguaçu – e transportados para o exterior. A segunda era por meio de laranjas e o uso das contas CC5 (do Banestado aos não residentes no Brasil) e a terceira era a realização de operações de dólar-cabo.
Montenegro explicou que quando os doleiros passaram a usar as contas CC5, o caso ganhou outra projeção. “Percebemos que eram pessoas simples, que movimentavam milhões. Com o fechamento do câmbio, os valores das contas eram remetidos para o exterior. Conseguimos detectar, com a perícia e o rastreamento, o deságue dos valores na extinta agência do Banestado em Nova Iorque”, disse.
Ao se descobrir contas na agência do Banestado em Nova Iorque, especialmente de empresas offshore, obteve-se o afastamento do sigilo. “O delegado entrou em contato com profissionais americanos para que as provas fossem produzidas diretamente nos Estados Unidos”, contou o perito. E foi nesta oportunidade, com a quebra do sigilo, que várias contas foram encontradas e quando surgiu, pela primeira vez, o nome do doleiro Alberto Youssef. “Foram 137 contas a que tivemos acesso num primeiro momento, que movimentaram mais de 180 bilhões de dólares. Na sequência outras centenas de contas, que movimentaram cerca de 50 bilhões de dólares”, falou.
Com a repercussão do caso foi criada, em 2003, a CPMI do Banestado no Congresso Nacional. Isto deu grande visibilidade a operação e novas diligências aos Estados Unidos foram realizadas. “Iniciou o processo de rastreamento internacional de valores”, disse. Para Montenegro foi um trabalho bem-sucedido, grande parte em virtude das parcerias firmadas. “Ao final, tínhamos base de dados de cerca de 124 bilhões de dólares”, afirmou. Também, o caso é reconhecidamente um grande precursor do rastreamento de recursos internacionais, “não conhecíamos ou tínhamos acesso às contas no exterior, quebramos um paradigma de condenar pessoas pelo crime do colarinho branco”, finalizou.
“A lavagem de dinheiro continua porque há muita demanda”, disse a delegada Érika Marena
A delegada e conselheira da COAF, Érika Marena, começou esclarecendo que o “Caso Banestado”, refere-se à lavagem de dinheiro para os Estados Unidos, porque o caso é ainda mais abrangente. “Houve o desmembramento aos milhares, em virtude do compartilhamento de informações entre os órgãos competentes”. Eram muitos inquéritos e um emaranhado de informações, “havia um sistema paralelo, operado por doleiros, que fazem lavagem de dinheiro”. Érika explicou que há demanda pelo serviço sujo porque circula muito dinheiro ilegal, “não se utilizam do canal bancário, porque as pessoas não querem que o dinheiro apareça e querem fugir ao controle das autoridades”, comentou. Na década de 1990, percebeu-se que o Banestado estava facilitando a abertura de contas laranjas, com controles pífios no conhecimento do cliente e sem muitos filtros na obtenção de informações dos usuários. Para ela, o banco foi “praticamente tomado por uma facção criminosa e se tornou uma máquina de lavar do Brasil inteiro”.
A delegada traçou um pequeno panorama da realidade do trabalho investigativo à época. “Eram centenas de inquéritos e foram milhares de nomes que tratávamos no braço, não havia softwares. Era algo muito complicado e não estávamos preparados”, comentou. Ela ainda explicou que os doleiros realizavam um ciclo completo das contas financeiras, os mesmos nomes as controlavam no Brasil e no exterior. “Não era um dinheiro estático, os valores não paravam na conta, entrava e saia diuturnamente. Contas grandes tinham movimentações de 500 milhões de dólares ao ano”, falou.
Houve uma cooperação intensa com as autoridades americanas, com quebras de sigilo e outras ações. “A força tarefa se estabeleceu em Curitiba com uma enormidade de materiais, quando cheguei parecia um ecossistema, porque funcionava tudo sozinho com entradas e saídas de laudos”, disse a delegada. Após a deflagração da “Operação Farol de Colina”, ocorrida em 2004, foram presas dezenas de pessoas, dentre elas, os doleiros, operadores do esquema. Com as análises das informações fornecidas, os peritos identificaram fluxos comuns, com bancos de preferência, “assim conhecemos novos nichos no mercado americano, os doleiros tinham várias contas nos Estados Unidos, ao longo dos anos fizemos quebras sucessivas de sigilos”, explicou. Para Érika quando se comenta que o caso Banestado “não deu em nada”, é um grande desconhecimento da sua abrangência. Foram mais de 20 acordos de colaboração, com a recuperação de cerca de R$ 30 milhões. Centenas de pessoas foram acusadas por crimes contra o sistema financeiro, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e corrupção, com 97 condenações. As autuações fiscais decorrentes do caso chegaram a cifras bilionárias.
Para Érika, ficou muito claro com a Operação Lava Jato que o círculo da lavagem nunca terminou, pois muitos dos nomes investigados anteriormente, apareceram novamente. “O Alberto Youssef foi preso, cumpriu pena, entregou a base de dados dele e seus operadores – mas hoje a gente vê que ele guardou muita coisa também. Eles voltam porque tem demanda. O principal ativo deles é o nome e a confiança do crime organizado neles”, explicou. O vínculo que eu faço é a continuidade do funcionamento de um sistema financeiro paralelo. Para a finalizar, Érika convidou a todos a reflexão porque as pessoas são reincidentes no crime. “Na minha opinião, o melhor meio de tirá-las em definitivo do crime é tirar o dinheiro delas, porque estamos sempre atrás do dinheiro. Chegar aos operadores concomitantemente a sua ação é a melhor forma de descapitalizar os operadores e dissuadi-los a sair do crime”.
O cenário jurídico no caso Banestado e na Operação Lava Jato
Para encerrar o painel a juíza federal Gabriela Hardt que mostrou o ladod o judiciário com relação ao caso Banestado e a Operação Lava Jato. Logo que ela teve contato com o Banestado, a magistrada comentou que pode constatar que foi o primeiro grande caso em que as partes investigativa e pericial eram muito bem fundamentadas e de forma inigualável. “Conseguimos sentenciar com muita segurança, porque a investigação é bem-feita. Foi pioneiro o caso Banestado”. Ela ainda disse que cerca de 20 anos após as primeiras condenações é possível fazer balanços. “Assim, posso concluir que as investigações foram sólidas e precisas, mas o processo penal não deu resultados esperados”, falou. Muitos casos foram prescritos, penas não foram sentenciadas, foram denunciadas mais de 680 pessoas, “mas cumpriram penas pouco mais de uma dezena. Vimos os trabalhos de peritos e policiais, de mais de 60 volumes deixados de lado em virtude da prescrição”, lamentou Gabriela.
Para a magistrada, a execução da pena após o julgamento em segunda instância foi fundamental nessa transição entre a Banestado e a Lava Jato, em 2016. Isto deu força aos operadores de Direito “alguns acusados tem receio de cumprir pena e passam a contribuir com as informações”, disse. Ela ainda citou o julgamento que irá iniciar mês que vem nos tribunais superiores para rever a decisão, “só espero que não retornemos à posição de 2009 e esta é uma visão realista. O processo penal que pode durar até 20 anos, não tem como ser efetivo”, refletiu. Para a magistrada, o processo penal deve absolver os inocentes e condenar os culpados, “a pena tem que ser dada para que tenhamos a repressão e a pacificação social”.
O caso Banestado foi a primeira operação com cooperação internacional e, com a Lava Jato, isso se dissipou e mais de 40 países compartilharam informações com o Brasil. O processo eletrônico também foi muito importante. “Na operação Banestado eram processos que enchiam gabinete, já na Lava Jato o volume é grande, mas é possível buscar os dados de forma mais célere”. A juíza comentou que a opinião pública e a imprensa especializada acompanham tudo e a transparência é muito importante para a visibilidade no trabalho. “Somos criticados e elogiados, mas todos os processos estão disponíveis para a sociedade e a imprensa”.
Por Adriana Mugnaini (Básica Comunicações)
Fotos: Enéas Gomez
Organização: Mark Messe