O primeiro painel do Fórum Nacional sobre Crimes Econômico-Financeiros foi sobre “Carteis no segmento de construção civil”, abrindo os trabalhos do evento que seguirá até o dia 14/03 no pequeno auditório da Universidade Positivo. Mediado pelo perito criminal João José de Castro Baptista Vallim, o painel contou com os seguintes participantes: Marcelo Batlouni Mendroni (promotor público), Alexandre Cordeiro Macedo (Superintendente Geral do CADE), Nivaldo Dias Filho (auditor TCU) e Filipe Bonaldo Alves (diretor sênior – Infrastructure & Capital Projects Alvarez & Marçal).
O promotor público Marcelo Batlouni Mendroni inaugurou as apresentações explicando os trâmites de reconhecimento de carteis, desde a identificação do crime até a sua conclusão. Ele logo iniciou frisando que a pena mínima de dois anos é muito baixa e não inibe a prática criminosa. Para ele, os crimes de cartel estão fora dos moldes tradicionais, “pois não são visíveis a olho nu”. Podem iniciar via CADE, com apurações próprias no âmbito administrativo ou por acordos de leniência. “Recebemos também notícias crime por pessoas que se identificam ou de forma anônima. O mais importante é o conteúdo do que a forma”, disse.
A terceira possibilidade, que é mais rara, mas também possível é o flagrante. “É muito difícil, mas pode acontecer. E é, naturalmente, a melhor forma de se iniciar o processo”.
Na sequência, Macedo explicou como o processo anda na Justiça. Recebidas informações, desencadeia-se a investigação criminal, feita pela Polícia e pelo Ministério Público. Concluindo-se a tarefa é produzir um sistema de provas eficiente.
50% dos acordos de leniência do CADE são de cartel em licitação
O Superintendente Geral do CADE, Alexandre Cordeiro Macedo, participou do debate esclarecendo que o CADE realiza desde 2003 acordos de leniência com a participação do Ministério Público. “O Ministério Público tem papel importantíssimo, porque o nosso trabalho começa muito antes, desde a coleta de provas”, disse. E ainda acrescentou, “não conseguimos criminalizar os carteis sem estar ao lado da Polícia Federal e do Ministério Público”.
O CADE desde 2007 trata o indício de cartel como o mais grave à sociedade. “Fizemos cartilhas, treinamos servidores públicos”, falou. Cerca de 47% das investigações do CADE e 50% dos acordos de leniências são de cartel em licitação. E 75% das contribuições do Fundo de Defesa de Direitos Difusos (FDD) também são dessa área, o que em 2018 representou mais de R$ 2 bilhões.
Macedo explicou como combater o cartel, de forma ativa ou passiva, por meio de denúncias e acordos. “O panorama mundial mostra que o acordo de leniência já passou por maturação e está em decadência”, citou. No Brasil, ainda está neste pico, em 2018 foram oito acordos de leniência e cerca de 70 outras formas de contribuição. “A vantagem é encerrar o processo entre as partes e a desvantagem é a possibilidade de um número excessivo de acordos. Eu discordo, porque o mais importante é a colaboração”, afirmou. Segundo Macedo hoje no CADE há, pelo menos, 30 pedidos de acordo de leniência. Para encerrar, falou de alguns casos específicos de carteis na construção civil.
O TCU aponta indícios de irregularidades nos contratos da Petrobras desde 2007
O seguinte a debater o tema foi auditor do Tribunal de Contas da União, Nivaldo Dias Filho, que começou a sua fala confirmando a importância dos acordos de leniência e atentou, “verificar se não está se tornando uma ferramenta de incentivo”. O TCU não atua em crimes financeiros ou carteis. “Crimes financeiros tendem a acontecer onde há mais dinheiro e as obras públicas costumam ser uma fonte para esses ilícitos”, disse. Por isso, o TCU desempenha auditoria anuais em diferentes segmentos.
Em relação à Petrobras, o auditor disse que desde 2007 os relatórios do TCU apontam irregularidades em obras na Petrobras, sugerindo o bloqueio de orçamento para esses fins. Em 2014 os procuradores da Lava Jato resgataram esses relatórios e comprovaram seus indícios. “Depois se revelou de maneira robusta que havia um cartel, promovendo fraude no processo licitatório, o que é uma competência do TCU”, explicou.
O desvio mínimo causado pelo cartel foi de 17% em obras de abastecimento e nas demais áreas da Petrobras, montante que poderia chegar a R$ 29 bilhões. A missão constitucional do TCU é julgar os que causam prejuízo ao erário, as penas podem ser multas, restituição dos valores, proibição de exercer cargo público ou de ser eleito.
“Não sabemos o que queremos ter como ativo da União”, diz palestrante
Filipe Bonaldo Alves, que é diretor sênior – Infrastructure & Capital Projects da Alvarez & Marçal, foi o último a falar, expondo sobre a engenharia de custo. As obras públicas atraem os carteis por concentrarem muito dinheiro. E o que essas obras têm em comum é a paridade dos projetos com uma qualidade de maturidade de orçamentos muito baixa. A incerteza orçamentária dos projetos pode chegar a 100%, quando não há uma especificidade no detalhamento dos projetos. “Não sabemos aquilo que contratamos, o que queremos ter como ativo da União”, disse
Uma boa orçamentação tem como seu melhor parâmetro a classe 1, mas muitos projetos licitatórios são de classe 5 – o que não é recomendado. A ciência de engenharia de custo dispõe de diversas metodologias para que se diminua as chances de sobre custo das obras. “Para conseguirmos diminuir a quantidade de leniência em cima de obras públicas, deveríamos ter bons orçamentos e definições de projetos. A partir do primeiro fora do padrão, o TCU teria todas as condições de identificar aqueles que estão desalinhados”, disse.
Há um problema muito maior do que apenas os desvios, é conceitual dos projetos. “são mal conceituados, definidos, orçados e vai para a cotação de empresas, o que dificulta o papel dos fiscalizadores”, finalizou Alves.