A mídia influencia as decisões da Justiça?

7 de outubro de 2011


Livro do juiz federal Artur César de Souza, finalista do Prêmio Jabuti, analisa o fenômeno dos julgamentos midiáticos.

O casal Nardoni foi julgado de forma isenta pelo poder judiciário? Dificilmente um dia será sanada esta questão, mas para o juiz federal e professor da Universidade Norte do Paraná (Unopar) Artur César de Souza é fato que antes de serem condenados pela Justiça por assassinarem Isabella Nardoni, de 5 anos, o pai Alexandre e a madrasta Ana Carolina Jatobá foram considerados culpados previamente pela sociedade. Isso se deveu, segundo ele, em parte pelo modus operandi do crime (a menina foi jogada pela janela de um apartamento), em parte pela cobertura persistente e detalhista da imprensa.

Esta análise de como a cobertura da imprensa pode interferir no poder judiciário é feita por Souza no livro A decisão do juiz e a influência da mídia – candidato ao 53.º Prêmio Jabuti, o mais tradicional na área de Literatura do país, na categoria Direito (o resultado sai no próximo dia 18).

Segundo ele, a influência da mídia pode conduzir tanto a uma verdade quanto a uma não verdade, levando o processo judicial a um julgamento injusto. “Em casos que geram comoção popular, mesmo com a apresentação de defesa dos envolvidos, há uma tendência a um julgamento midiático”, diz ele, que passou a pesquisar essa relação para tentar entender o momento e as circunstâncias que levam a essa espécie de “julgamento paralelo”. “No mo­­mento em que a imprensa gera um sentimento na opinião pública, isso pode resultar em uma manipulação do tribunal de júri”, diz ele.

Erros
Na recente história da democracia brasileira, dois erros crassos “culpabilizaram” inocentes. Saiba mais sobre eles:

Escola Base

Em março de 1994, vários órgãos da imprensa publicaram denúncias sobre seis pessoas envolvidas na exploração sexual de crianças – todas da Escola Base, em São Paulo. Segundo denúncias apresentadas por alguns pais, os donos da escola, seus funcionários e um casal de pais levavam as crianças para uma casa, onde os abusos seriam cometidos e filmados. A divulgação do caso levou à depredação e saque da escola. Os proprietários chegaram a ser presos. No entanto, a investigação policial não foi conclusiva e, por falta de indícios, nenhuma denúncia foi feita.

Monstro da mamadeira

Em 2006, uma mãe, de Taubaté, no interior de São Paulo, foi acusada de matar a filha por supostamente colocar cocaína na mamadeira da filha. O que era apenas uma suspeita policial tornou-se verdade absoluta. Quando presa, a moça foi espancada por 19 presidiárias e teve a clavícula e o maxilar quebrados. Mais tarde, comprovou-se que o pó encontrado na mamadeira se tratava de um remédio usado pela criança. Após as agressões sofridas, a mãe perdeu a audição e a visão do lado direito.

Formação
Universidades ensinam aluno a ter isenção

Embora a comoção popular possa ser grande em alguns casos, as academias ensinam os estudantes de Direito a se manterem isentos. “O juiz é alguém que, na estrutura da sociedade, exerce função de vital importância, mesmo que seja necessário decidir contra a maioria”, diz o professor titular de Processo Penal da Universidade Federal do Paraná, Jacinto Nelson de Miranda Coutinho. O professor argumenta que, em um julgamento, todas as provas devem ser consideradas. “Ressaltamos que o juiz está exposto à comoção popular. Mas a verdade precisa ser construída em um processo a partir do contraditório”, diz. Na avaliação de Coutinho, a abertura de espaço para ouvir a versão do acusado se trata de um mecanismo de proteção do cidadão – todos têm direito à ampla defesa, segundo a Constituição. “O tempo do jornalismo é diferente do tempo do juízo. Por isso, há um descompasso entre a forma de a mídia e o poder judiciário enxergarem um fato criminoso”, afirma o promotor de justiça Fábio André Guaragni.
O lugar de cada um

Souza considera natural do ser humano a realização de pré-julgamentos em casos que mexem com as pessoas. No entanto, em uma democracia, o local adequado para julgar deve ser o poder judiciário, onde a racionalidade se sobrepõe à paixão. “Cabe à imprensa apontar as mazelas da Justiça, indicar o retardamento dos julgamentos. É a polícia quem deve investigar e é o Poder Judiciário quem deve julgar”, afirma.

Ele ressalta que, como as instituições democráticas (como a Polícia e a própria Justiça) deixam de funcionar a contento por muitas vezes, a imprensa acaba por ocupar esse espaço naturalmente.

Maturidade

O promotor de justiça e professor de Direito Penal Econômico do mestrado em Direito Empresarial do UniCuritiba Fábio André Guaragni considera a atuação de uma imprensa livre fundamental na democracia. Mas em razão do curto tempo de atuação pós-ditadura, a imprensa – de maneira geral – ainda mostra sinais de uma necessidade de amadurecimento. “Apesar disso, vale a pena pagar esse preço [do exagero da mídia em certos casos] pelas vantagens oferecidas em um trabalho investigativo. Por isso, a virtude suplanta os prejuízo que possa causar”, diz.

Guaragni critica o impacto da mídia sobre o poder legislativo. “Em 1994, mataram a Daniela Perez e o homicídio virou crime hediondo. Não duvido que a morte do menino João Hélio possa derrubar a maioridade penal”, afirma. Além disso, a repercussão e a pressão acabam afetando a ordem do trabalho. “Quando atuava na área de patrimônio público, lidava com desvios de milhões de reais, mas, por influência de noticiários, tive que interromper a apuração desse caso para dar resposta imediata a uma corrupção pequena de um funcionário público”, diz.

Fonte: Gazeta do Povo

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